SOBRE NATAL E DESILUSÕES

por murilovianna

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Quando eu tinha seis anos de idade, meu primo – dois anos mais velho – me contou que Papai Noel não existia. Era véspera de Natal, dia 24 de dezembro e eu lembro que toda a minha família estava na casa da minha avó comemorando. O cenário era o mesmo de outros Natais – o presépio montado na mesinha da sala e a árvore decorada com luzes amarelas e miniaturas de renas e trenós. Todos os mais velhos sentados participando da ceia. Todos os mais novos esperando pela troca de presentes.

Eu era o que mais esperava. Estava ansioso. Havia duas semanas que tinha escrito a cartinha para o bom velhinho e nela exigia o brinquedo do Batmóvel e uma camisa da Seleção Brasileira. O ano inteiro havia me comportado. Fiz meus deveres de casa, fui dormir antes das dez da noite e briguei pouquíssimas vezes com minha irmã mais nova. Por isso, eu tinha certeza que em instantes o Papai Noel iria entrar pela porta e, com aquele seu jeitão carismático e bondoso, me presentearia da mesma forma como sempre fez.  Então como ele poderia não existir? Quais eram as chances?

Eu disse o que pensava para o meu primo e ele apenas riu, como se eu fosse o garoto mais ingênuo do mundo. Só que em menos de vinte minutos, aconteceu o que eu já sabia que aconteceria. A campainha tocou e aquele homem vestido de vermelho apareceu. Barrigudo, com barba branca e um enorme saco atrás das costas – era o Papai Noel. Até hoje lembro da imagem. Ele entrou na casa olhando para mim e proclamou em alto e bom tom: Ho-ho-ho!

Eu olhei para o meu primo e o alertei: “Viu só! Eu falei que ele existia.”

E não perdi tempo. Na mesma hora saí correndo e fui dar um abraço bem apertado no Papai Noel. Mas, antes de chegar até ele, olhei com bastante atenção e percebi: Papai Noel parecia muito com o meu avô Laerte. Os olhos eram verdes, na mão esquerda havia a mesma cicatriz e os dois  nunca estavam juntos na mesma hora, no mesmo lugar.

“Vovô?”, eu perguntei. E Papai Noel apenas sorriu e passou a mão na minha cabeça.

E então eu não consegui esconder a decepção, a raiva, a tristeza. Saí correndo chorando e me tranquei na salinha onde ficava o piano. Minha família inteira veio tentar me consolar, dizendo que era normal, que eu compreenderia com o tempo. Mas não adiantava. A partir daquele dia eu não acreditava mais em Papai Noel, Coelhinho da Páscoa ou Fada dos Dentes. Eu não acreditava mais em nada.

Eu não acreditava mais em ninguém.